Decidi mudar a minha vida quando perdi o meu emprego, tinha colocado na minha cabeça que para começar do inicio, precisava de uma pausa de mim mesma. Arrumei tudo, despedi-me do escritório que foi a minha rotina durante mais de 20 anos, avisei a família que ia viajar para a India, uns concordaram e deram-me apoio, outros não perceberam muito bem, o que é eu ia fazer para aquele lado do Mundo, quando devia era estar focada em procurar novo emprego. Os meus filhos foram os primeiros a estar ao meu lado, para eles eu sempre fui uma mãe excêntrica, por isso fazia sentido depois de uma vida inteiro de trabalho e da desilusão de ser despedida, de ir "curar-me" para aquele país. O meu marido colocou as mãos na cabeça e perguntou-me mas porquê India?! Contei-lhe que há muito que queria ir, há muito que escutava as histórias de outros praticantes que tinham viajado para lá, que tinham praticado durante meses e que a experiência era incrível.
Em poucos dias estava a caminho do sul da India, com um caderno com alguns contactos e recomendações da minha professora, com uma mala com roupa e um saco onde levava o meu tapete de Yoga. Os primeiros dias foram uma adaptação a uma nova realidade, arranjei uma casinha perto da rua do shala, inscrevi-me na escola, fiquei com o turno das 6.00 e comecei o que acho que será uma das grandes aventuras da minha vida.
Já era praticante de Ashtanga Yoga há 10 anos, quando comecei tinha o meu filho Franscisco, 8 anos, também já tinha praticado outros tipos de Yoga, mesmo quando estive grávida do Simão, há 21 anos, mas nunca levei aquilo muito a sério. Até que uma amiga minha do escritório que não parava de falar, com tamanha excitação, que o Ashtanga Yoga é que era, que o Ashtanga Yoga era completamente diferente dos outros Yoga, etc, e lá acabei por ir a uma aula, fiquei logo aluna daquela professora, era pequenina, com um sorriso fácil, exigente e muito simpática, fiquei sua fã e naturalmente fiquei fã do Ashtanga. Todos os dias antes de entrar no escritório, deixava o Simão e o Franscisco na escola e seguia para a aula, acordava uma hora mais cedo, para fazer os pequenos-almoços para a família, organizar mochilas, verificar os trabalhos de casa, etc e quando pisava o chão daquela casa e colocava a minha roupa de prática, era como se carregasse num botão off na mente e tudo ficava mais calmo, mais meu. Acho que consigo contar pelos dedos das minhas mãos os dias que não pratiquei Ashtanga, fora os dias de Lua Cheia, Lua Nova, os sábados e alguns domingos, quando o Frederico (o meu marido) decidia que na noite de sábado íamos ao cinema, ou jantar, ou estar com amigos. Entre ser mãe a tempo inteiro, ser esposa a tempo inteiro, ser filha a tempo inteiro, amiga a tempo inteiro, profissional a tempo inteiro, até terem decidido mandar-me para casa porque acharam que agora já sou velha... fui praticante de Ashtanga a tempo inteiro. Posso dizer que a prática regular me deu o corpo que tinha aos meus 25 anos, que a minha cabeça ficou mais
rápido, mais atenta, de velha tenho muito pouco, só mesmo a idade que aparece no cartão de cidadão. O Frederico é um tipo de homem especial, não digo isto porque é meu marido, mas é que é impossível não ser seu amigo, e eu, bem eu, acho que também devo ter qualquer coisa, porque temos amigos há anos e anos, mas foi também na escola de Yoga fiz grandes amizades, isto de praticar 6x por semana, ver as mesmas caras, rirmo-nos uns para os outros das nossas figuras quando andamos para ali a tentar encontrar a nova postura que a professora ensina, dá uma intimidade que faz nascer empatia e quando nutrida começa a surgir as primeiras raízes da amizade. Não sei porque escrevo tudo isto, talvez seja por estar neste país, talvez seja por ter este tempo só para mim, talvez seja por já ter saudades do Frederico, dos meus filhos, dos amigos, da minha querida professora, ou talvez seja porque tenho uma história de vida que deve ser contada. Estou aqui neste lado do mundo e perdi um emprego que adorava, fui mandada embora injustamente, porque as minhas capacidades estão cá, não sei muito bem o que é que vou fazer a seguir, não quero ir viver para fora do meu país, não quero mudar de área, mas duvido que vá encontrar um novo emprego na minha profissão. Mas por agora fico com os meus três "p", positiva, paciente, persistente... estes três "p" fazem parte da minha vida há 10 anos, numa das minhas primeiras aulas de Ashtanga, a minha professora disse-me qualquer coisa deste género, " para uma prática verdadeira, consciente, regular, duradoura, necessita de ser positiva, paciente e persistente". Sem dar por isso, fui organizando a minha vida e a minha prática ao redor destes três "p", são nestes momentos de maior confusão que eles acabam sempre por me ajudar e por isso estou aqui na India, a praticar Ashtanga Yoga durante mais um mês e a perceber que mesmo sem emprego sou uma enorme afortunada, porque tenho-me a mim mesma, e mesmo depois de velha, (pelo menos na idade) que tudo irá correr bem. Porque tal como ontem, em que a prática foi difícil, tinha dormido pouco graças aos meus vizinhos indianos que gostam de ver ou ouvir televisão às tantas da noite com o som bem alto, estive quase para não ir ao shala, para ficar a dormir pela manhã, mas lembrei-me dos três "p" e pelo menos fui lá tentar, o pior que podia acontecer é não ter a energia para fazer toda a minha série de posturas, mas se assim fosse, parava e descansava, porque o Ashtanga não é ginástica, não é uma prática militar, sim tem sequências de posturas, sim há uma tradição no método que implica praticarmos até à última postura que recebemos, sim exige disciplina mas também tolerância, porque mais do que fazer as posturas, o importante é como fazemos as posturas. E fazer com positividade, paciência e persistência é meio caminho para uma prática mais real, meio caminho para uma vida mais tranquila. (...)".
Carta de uma praticante de Ashtanga Yoga
* imagem retirada de pesquisa online.
Em poucos dias estava a caminho do sul da India, com um caderno com alguns contactos e recomendações da minha professora, com uma mala com roupa e um saco onde levava o meu tapete de Yoga. Os primeiros dias foram uma adaptação a uma nova realidade, arranjei uma casinha perto da rua do shala, inscrevi-me na escola, fiquei com o turno das 6.00 e comecei o que acho que será uma das grandes aventuras da minha vida.
Já era praticante de Ashtanga Yoga há 10 anos, quando comecei tinha o meu filho Franscisco, 8 anos, também já tinha praticado outros tipos de Yoga, mesmo quando estive grávida do Simão, há 21 anos, mas nunca levei aquilo muito a sério. Até que uma amiga minha do escritório que não parava de falar, com tamanha excitação, que o Ashtanga Yoga é que era, que o Ashtanga Yoga era completamente diferente dos outros Yoga, etc, e lá acabei por ir a uma aula, fiquei logo aluna daquela professora, era pequenina, com um sorriso fácil, exigente e muito simpática, fiquei sua fã e naturalmente fiquei fã do Ashtanga. Todos os dias antes de entrar no escritório, deixava o Simão e o Franscisco na escola e seguia para a aula, acordava uma hora mais cedo, para fazer os pequenos-almoços para a família, organizar mochilas, verificar os trabalhos de casa, etc e quando pisava o chão daquela casa e colocava a minha roupa de prática, era como se carregasse num botão off na mente e tudo ficava mais calmo, mais meu. Acho que consigo contar pelos dedos das minhas mãos os dias que não pratiquei Ashtanga, fora os dias de Lua Cheia, Lua Nova, os sábados e alguns domingos, quando o Frederico (o meu marido) decidia que na noite de sábado íamos ao cinema, ou jantar, ou estar com amigos. Entre ser mãe a tempo inteiro, ser esposa a tempo inteiro, ser filha a tempo inteiro, amiga a tempo inteiro, profissional a tempo inteiro, até terem decidido mandar-me para casa porque acharam que agora já sou velha... fui praticante de Ashtanga a tempo inteiro. Posso dizer que a prática regular me deu o corpo que tinha aos meus 25 anos, que a minha cabeça ficou mais
rápido, mais atenta, de velha tenho muito pouco, só mesmo a idade que aparece no cartão de cidadão. O Frederico é um tipo de homem especial, não digo isto porque é meu marido, mas é que é impossível não ser seu amigo, e eu, bem eu, acho que também devo ter qualquer coisa, porque temos amigos há anos e anos, mas foi também na escola de Yoga fiz grandes amizades, isto de praticar 6x por semana, ver as mesmas caras, rirmo-nos uns para os outros das nossas figuras quando andamos para ali a tentar encontrar a nova postura que a professora ensina, dá uma intimidade que faz nascer empatia e quando nutrida começa a surgir as primeiras raízes da amizade. Não sei porque escrevo tudo isto, talvez seja por estar neste país, talvez seja por ter este tempo só para mim, talvez seja por já ter saudades do Frederico, dos meus filhos, dos amigos, da minha querida professora, ou talvez seja porque tenho uma história de vida que deve ser contada. Estou aqui neste lado do mundo e perdi um emprego que adorava, fui mandada embora injustamente, porque as minhas capacidades estão cá, não sei muito bem o que é que vou fazer a seguir, não quero ir viver para fora do meu país, não quero mudar de área, mas duvido que vá encontrar um novo emprego na minha profissão. Mas por agora fico com os meus três "p", positiva, paciente, persistente... estes três "p" fazem parte da minha vida há 10 anos, numa das minhas primeiras aulas de Ashtanga, a minha professora disse-me qualquer coisa deste género, " para uma prática verdadeira, consciente, regular, duradoura, necessita de ser positiva, paciente e persistente". Sem dar por isso, fui organizando a minha vida e a minha prática ao redor destes três "p", são nestes momentos de maior confusão que eles acabam sempre por me ajudar e por isso estou aqui na India, a praticar Ashtanga Yoga durante mais um mês e a perceber que mesmo sem emprego sou uma enorme afortunada, porque tenho-me a mim mesma, e mesmo depois de velha, (pelo menos na idade) que tudo irá correr bem. Porque tal como ontem, em que a prática foi difícil, tinha dormido pouco graças aos meus vizinhos indianos que gostam de ver ou ouvir televisão às tantas da noite com o som bem alto, estive quase para não ir ao shala, para ficar a dormir pela manhã, mas lembrei-me dos três "p" e pelo menos fui lá tentar, o pior que podia acontecer é não ter a energia para fazer toda a minha série de posturas, mas se assim fosse, parava e descansava, porque o Ashtanga não é ginástica, não é uma prática militar, sim tem sequências de posturas, sim há uma tradição no método que implica praticarmos até à última postura que recebemos, sim exige disciplina mas também tolerância, porque mais do que fazer as posturas, o importante é como fazemos as posturas. E fazer com positividade, paciência e persistência é meio caminho para uma prática mais real, meio caminho para uma vida mais tranquila. (...)".
Carta de uma praticante de Ashtanga Yoga
* imagem retirada de pesquisa online.
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