sábado, 27 de dezembro de 2014

BEAUTY




 PT
Pelas janelas do Shala vejo a linha horizontal de laranja e amarelo sobre o azul do mar. Inevitavelmente relembro a sensação de colocar no meu dia-a-dia as lições da prática. Parece-me que por vezes deixamo-nos levar pelo frenesim mental e emocional endurecido pela capa rija de medo e insegurança. A nossa voz interna pede calma, serenidade, mas agimos no e pelo impulso, perdendo a lição sobre o desapego e a vivência do momento.

Batemos com cabeça, vezes e mais vezes, lutando contra a oportunidade de superação de medos e de transformação de estruturas e padrões construídos ao longo de anos, e lá vamos sofrendo mais um pouco. Só depois da cabeça doer e de levantarmos os olhos para lá do nosso umbigo, reparamos na beleza lá fora, no nascer do Sol, ou nas cores do céu, e na imediata consequente mudança da nossa respiração e na transmutação da nossa energia. Parece-me que tudo é alterado se pararmos de lutar, se dermos oportunidade de, sem fugir e sem tentar nada, sentir exactamente aquilo que provoca dor, incomodo, sufoco, ansiedade, medo.

Depois mais cedo ou mais tarde, lá subimos ao tapete, ritmamos a entrada e saída de ar, limpamos a mente do que foi vivido por dias, largando o stress e a compressão e tudo entra num outro modo, o coração talvez continue pesado, a mente talvez procure ainda pensar, analisar e reflectir, mas damos inicio à nossa prática, que concebe a oportunidade de relaxarmos, de restituirmos foco, concentração e de munirmo-nos de confiança. Lá fora o sol começa a surgir, cá dentro há calor, pessoas como eu e tu, a procurarem pela prática um estado interno que possamos utilizar para lá dos limites do nosso tapete e para lá daquilo que tínhamos como limites pessoais.

*******EN
From the windows of the Shala i see the horizontal line of orange and yellow on the blue sea. Inevitably i remember the feeling of putting on my day to day the lessons of the practice. It seems to me that sometimes we get carried away by mental and emotional frenzy hardened by a tough cover of fear and insecurity. Our inner voice calls for calm, serenity, but we act in and for impulse, losing the lesson about letting go and living the moment.

We hit with the head, again and again, fighting the opportunity to overcome fears and transformation of structures and patterns built up over years, and we suffer more. Only after the head hurt, we raise our eyes beyond our navel, and we notice the beauty out there, the sunrise, or the colors of the sky, and the immediate consequent change in our breathing and the transmutation of our energy. It seems to me that everything change when we stop fighting, when we give the change to, without running away and without trying to do anything, feel exactly what causes us pain, discomfort, breathlessness, anxiety, fear.

Then sooner or later,  we step on our mat, we give a rhythm to the entry and exist of air, cleaning the mind from what we experienced for days, releasing stress and compression and it seems that everything goes in another way, the heart may still be heavy, the mind may still want to keep thinking, searching, analyzing and reflecting, but we start our practice, which gives us the opportunity to relax, to bring back focus, and concentration, giving us confidence. Outside the sun begins to emerge, inside there is heat, people like you and me, searching by the practice an internal state that we can use beyond the limits of our mats, and beyond what we had as personal boundaries.

domingo, 7 de dezembro de 2014

Peace through the Ashtanga practice

PT
Lá fora estava um dia cinzento a demarcar o quase inverno português, com vento e chuva que de tempo em tempo tocavam as janelas da sala. A casa estava cheia, não havia espaço para mais tapetes, mas existia um silêncio típico de uma aula de Mysore, que era somente interrompido pelos sons das respirações e dos movimentos de cada um dos praticantes experientes, que no seu próprio ritmo entravam e saiam de cada uma das posturas. 
A aula lá ia decorrendo comigo a ajustar sempre que necessário e a aconselhar e a dirigir os iniciantes. Até que escuto no inicio da sala um dos alunos a resmungar alguma coisa que não entendo à primeira, chego-me perto e em voz baixa pergunto o que se passava. Ele nada em voz baixa, afirma, "Não consigo praticar! Aquele homem ali, está sempre a "lixar-me"!" Eu fico de boca aberta, em anos de ensino nunca tinha acontecido uma destas,  recupero da surpresa e respondo, "foca-te na respiração, esquece isso. Aqui não interessa isso, faz a tua prática." E afasto-me, para ir ajustar outro aluno, mas reparo que o anterior embora calado e visivelmente a tentar praticar, estava completamente enraivecido. 

Mais tarde percebi que isto se deveu ao facto, de que entre posturas tinha identificado no meio da sala, outro praticante que era o seu maior concorrente profissional. Continuei a vê-lo a tentar, de quando em quando abanava a cabeça, como que a afastar os pensamentos e os sentimentos de dentro da sua mente. Acabou por fazer-me sinal que não conseguia mais e quando caminhava em direcção à saída, tinha um ar abatido e olhar sofrido. O outro continuou a praticar, não sei até que ponto o constrangimento da situação o afectou, mas a aula decorreu com a mesma tranquilidade anterior a esta situação. 
Esta casa é neutra, é um espaço para praticar Ashtanga Yoga, e acredito que pela prática há centenas de oportunidades para fazermos pazes com o nosso passado, darmos novo rumo ao nosso presente e produzirmos um futuro assente em integração, neutralidade e relatividade. Se dentro do Shala, em plena prática formos confrontados com determinados pensamentos, sentimentos e sensações que criam raiva, distracção, irritabilidade, é aproveitarmos de perto estas situações e olharmos mais para dentro de nós mesmos,  e respirarmos, sairmos da postura, entrarmos na próxima e deixarmos que o processo de limpeza física, mental e emocional aconteça. Seja por ter ao lado aquela pessoa que nos magoou, ou seja por ter ao lado o nosso melhor amigo, a nossa irmã, o nosso marido, ou apenas uma pessoa que por quem temos simpatia, em ambos os opostos, devemos tentar focarmos na respiração e deixarmos que a mente e o coração sosseguem. 
Boas práticas! 

EN
Outside it was a gray day the almost Portuguese  winter, with wind and rain from time to time blew the room windows. The house was full, there was no room for more mats, but there was a silence typical of Mysore class, which was only interrupted by the sounds of each breathing and movements of experienced practitioners, which at their own pace drifted in and out of each of the postures.
The class was happening with me adjusting when was necessary and advising and directing the beginners. Until I heard at the beginning of the room,  one of the students muttering something I didn't understand at first, I came close and quietly asked what was going on. He said not quietly, "I can not practice! That man there is always "sanding me"!" I stand open-mouthed, in years of teaching it  had never happened something like this, i recovered from the surprise and respond, "focus on your breath, forget it. Here that does not matter, do your practice." And I left,  i went to adjust another student, but I notice that although the previous was silent and visibly trying to practice, he was completely enraged.

Later I knew that this was due to the fact that between postures  he had identified in the middle of the room, another practitioner who was his greatest professional competitor. I continued to see him trying,  from time to time he would shake his head, as if to ward off thoughts and feelings from within his mind. He ended up making me a sign that could no longer continue, and when he walked towards the exit, he had a haggard and suffering look. The other practitioner continued to practice, i do not know to what extent the awkwardness of the situation affected him, but the lesson was held with the same tranquility previous to this.
This home is neutral, is a space to practice Ashtanga Yoga, and believe the practice creates hundreds of opportunities for us to make peace with our past, giving the possibilities to draw a new direction to our present and producing a future based on integration, neutrality and relativity. If within the Shala in full practice we are faced with certain thoughts, feelings and sensations that create anger, distraction, irritability, we should take closely this opportunity and look deeper into ourselves, and breathing we leave the pose, we enter on the next, letting the process of physical, mental and emotional cleaning happen. And if next to us is a person who hurt us, or we have our best friend, our sister, our husband, or just a person for whom we have sympathy, in both opposites, we should try to focus on the breath  and let the mind and heart at rest. 
Happy practicing!